“Não é
certamente por acaso que as diversas etapas de desenvolvimento tecnológico
estão associadas ao uso sucessivo de materiais geológicos: Idades da Pedra, do
Cobre, do Bronze e do Ferro” (Pereira et al, 2008).
Muitas vezes
esquecemo-nos do papel da geodiversidade para a evolução tecnológica da
sociedade e consequentemente para a qualidade de bem-estar com que hoje vivemos.
Contudo, tal não significa que os avanços tecnológicos significaram o aumento
da consciência ambiental. O incremento de uma tecnologia agressiva,
característica das sociedades modernas, e o progressivo aumento populacional
levou a uma crescente sobreexploração dos recursos geológicos, que atualmente
poderão pôr em causa este recurso natural que tomamos como infinito e garantido
mas que afinal é não renovável, podendo ser alvo de destruições irrecuperáveis.
Tal como a
biodiversidade, a geodiversidade apesar de aparentar uma estrutura mais sólida,
enfrenta inúmeras ameaças, que advém direta ou indiretamente de ações antropogénicas
(Brilha,2005).
Brilha
(2005), com base no trabalho de Gray (2004), enumera as seguintes ameaças à
geodiversidade:
- Exploração de recursos geológicos. Neste caso poderemos assistir à ocorrência de ameaças a dois níveis: paisagem e afloramentos. No caso de ilha de Santa Maria (Açores) assistimos durante muito tempo à exploração de inertes na Pedreira do Campo e no Poço da Pedreira, fazendo esta atividade parte integrante da história económica e cultural da ilha. Felizmente, foi criado nos Açores, através do Resolução do Conselho do Governo n.º 182/2009, de 26 de Novembro, o Plano das Atividades Extrativas, que apresenta como um dos principais objetivos a extinção da atividade em locais sensíveis do ponto de vista geológico, ambiental e paisagístico.
Imagem: Poço da Pedreira. Geoparque Açores (http://azoresgeopark.com/)
- Desenvolvimento de Obras e Estruturas. Ao darmos um passeio pelas Zonas costeiras das ilhas dos Açores, principalmente pelas Baías com maior afluência populacional, poderemos detetar vários casos de construção de habitações que provocam a degradação dos recursos geológicos, que para além de constituírem uma ameaça ao valor intrínseco da geodiversidade, colocam por vezes em risco a segurança das populações locais e visitantes.
- Gestão de Bacias Hidrográficas. Tal como Brilha (2005) refere várias bacias hidrográficas portuguesas foram alvo de construção de infra-estruturas de modo a reduzir o impacto de fenómenos naturais como as cheias. No entanto, a verdade é que estas infra-estruturas pouco contribuem para a redução dos fenómenos e muito contribuem para a degradação da geodiversidade.
- Florestação, Desflorestação e Agricultura. Se formos a atender às necessidades alimentares de uma população crescente, assistimos cada vez mais à prática de uma agricultura intensiva que recorre ao uso de produtos químicos, o que acarreta consequências irreversíveis como a contaminação das águas subterrâneas e contaminação e erosão dos solos. Felizmente nos últimos tempos já se tem adquirido uma maior consciência ambiental, tentando-se incentivar o regresso à agricultura biológica.
- Atividades Militares, que com as maquinarias pesadas e bombardeamentos podem trazer consequências equivalentes às mencionadas na agricultura intensiva.
- Atividades Recreativas e Turísticas. Mencionei no post anterior um bom exemplo que ocorria numa área denominada de “Deserto Vermelho dos Açores”, atualmente integrada no Parque Natural de Santa Maria e nos geossítios prioritários da ilha.
- Colheita de amostras geológicas para fins não científicos, como é o caso dos fósseis marinhos que eram levados para “recordação”, assim como as estalactites que eram “arrancadas” pelos visitantes da Gruta do Figueiral, sem qualquer fundamento científico.
- Iliteracia cultural. Sem dúvida a iliteracia cultural é transversal a todas as ameaças mencionadas. Se durante muito tempo poderíamos nos desresponsabilizar com base na ignorância, agora já existem diversos estudos na área das geociências que nos permitem adquirir uma melhor perceção da importância dos recursos geológicos.
Conhecidas as diversas ameaças à geodiversidade, urge
implementar estratégias de geoconservação - “In order to protect geodiversity we need to understand the threats and
how they can be avoided or minimised. There is a need to have active geoconservation inventories and
a commitment to manage and monitor these sites. The approach to nature
conservation should include an approach encompassing all natural values and
processes”. (Pemberton, 2007).
De acordo
com Brilha (2005), as estratégias de conservação passam pela criação de uma
metodologia que pode ser dividida sequencialmente nas seguintes etapas:
- Inventariação
- Quantificação
- Classificação
- Conservação
- Valorização
- Divulgação
- Monitorização
Ao avaliarmos os procedimentos em
cada etapa, torna-se evidente o “porquê” da criação do Geoparque Açores.
Uma Estratégia de Conservação
passa naturalmente por uma avaliação científica dos aspetos geológicos de
determinado geossítio. Contudo, um Geoparque é muito mais do que os aspetos
geológicos. “Dormindo com os Vulcões”, um artigo publicado na National
Geoographic, em que Gonçalo Pereira relata uma viagem aos Açores é um bom
exemplo da conjunção da força da Terra com os costumes e tradições identitárias
da população açoriana.
No caso específico de Santa
Maria, foram identificados 15 geossítios. No entanto, apenas 5 geossítios foram
considerados para a Candidatura do Geoparque Açores à Rede Europeia e Global de
Parques, apoiada pela Unesco. Os critérios intrínsecos, de uso potencial e
necessidade de proteção foram tidos em conta para esta seleção.
Explorando dois dos Geossítios Priotários de Santa Maria e percebendo o
“porquê” da implementação de estratégias de conservação ….
Ribeira do Maloás
Ribeira do Maloás
Sentir e Interpretar o Ambiente dos Açores (siaram.azores.gov.pt)
A Disjunção Prismática da Ribeira
do Maloás é um afloramento “único na ilha com estas dimensões e um dos mais
belos dos Açores”. (Nunes et al, 2007).
De forma prática, poderemos identificar alguns dos critérios referidos por
Brilha (2005), nomeadamente raridade, extensão, estado de conservação (boas
condições de conservação), possibilidade de realização de atividades
pedagógicas (recentemente foi dinamizado visitas de estudo com escolas no
âmbito do programa curricular) e atividades turísticas (possibilidade da
realização de canyoning).
Ponta do Castelo
Segundo Nunes et al (2007) a Ponta do Castelo
“consitui uma das geopaisagens mais importantes da ilha de Santa Maria,
evidencia alguns aspetos geológicos adicionais para além daquelas formações e
produtos vulcânicos e produtos vulcânicos, como é o caso de escoadas lávicas
basálticas com disjunções prismáticas e esfeirodal, hialoclastitos, inúmeros
afloramentos de escoadas submarinas (…) e diversas intrusões filonianas, de
pendor e espessura variável”.
Para além do seu valor geológico,
no geossítio da Ponta do Castelo predominam as ruinas da antiga fábrica da
baleia, um marco da história do povo mariense. Este geossítio encontra-se
próximo das povoações, inserido na Baía da Maia, pertencente à Freguesia de
Santo Espírito.
Como
estou ligada à sensibilização Ambiental não poderia deixar de referir a
importância da educação nas estratégias de conservação. No Simpósio Ibérico do
Ensino da Geologia defendeu-se a interrelação entre a geoconservação e a
educação - “A
geoconservação, ao fomentar a conservação e a valorização de geossítios de
interesse pedagógico, está a promover o ensino/aprendizagem da Geologia nos
seus mais diversificados contextos. Por seu lado, a abordagem de temáticas
relacionadas com a geoconservação permite aumentar a sensibilidade da sociedade
para a necessidade de se promover a conservação do património geológico,
devidamente integrada nas políticas de Conservação da Natureza” (Brilha et al,
2006).
A inexistência de estratégias de conservação devidamente
implementadas e integradoras de todos os valores da geodiversidade, poderá
levar à perda irreversível do nosso património geológico, da nossa identidade
cultural e da potencialidade económica que ainda temos que explorar de forma responsável.
Referências Bibliográficas:
-Associação Geoparque Açores. Geoparque Açores – nove ilhas, um
geoparque. Disponível em http://azoresgeopark.com/. Acedido a 04 de maio de 2012.
-Brilha, J. (2005). Património Geológico e Conservação – A
Conservação da Natureza na sua vertente geológica. Viseu: Palimage
Editores.
-Brilha, J.; Dias, G.; Pereira,D. (2006). A
Geoconservação e o Ensino/Aprendizagem da Geologia. Simpósio Ibérico do
Ensino da Geologia. XXVI Curso de Atualização de Professores de Geociências.
Aveiro. Disponível em: http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CFQQFjAA&url=http%3A%2F%2Frepositorium.sdum.uminho.pt%2Fbitstream%2F1822%2F5368%2F1%2Fbrilha_dias_pereira_sieg.pdf&ei=N5O1T6SNG8bs8QPtPDdDw&usg=AFQjCNGWgmgCeah4TtZtjC_zYSVIlewXFA. Acedido a 16 de maio de 2012.
-Governo
dos Açores. Plano Sectorial de Ordenamento do Território para as Atividades
Extrativas da Região Autónoma dos Açores. Disponível em: http://www.dhvsgps.com/pae/pg/oplano.asp. Acedido a 16 de maio de 2012.
-Nunes, J.C; Lima
E. ; Medeiros (2007). Os Açores, Ilhas de
Geodiversidade – Contributo da Ilha de Santa Maria. Açores: Universidade
dos Açores
- Pemberton, M. (2007). A Brief
Consideration of Geodiversity and Geoconservation. Manager, Biodiversity Conservation Branch. Department of Primary
Industries and Water, Tasmania. Disponível
em http://proceedings.com.au/quarrying2007/papers/paper_pemberton.pdf. Acedido a 16 de maio de 2012.
-
Pereira, D.; Brilha, J. ; Pereira, P. (2008). Geodiversidade – Valores e Usos. Minho: Universidade do Minho.
Disponível em http://www.dct.uminho.pt/docentes/pdfs/jb_pereiras.pdf. Acedido a 16 de maio de 2012.
Gostaria de saber quem é o autor desse artigo. Grato! valdenirlima10@hotmail.com
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